Entenda a Portaria MEC nº 329/2025 que redefine o ENARE e impacta a seleção para Residência Médica. Dra. Caroline Daitx analisa a polêmica da análise curricular e o futuro do processo seletivo.

Esta nova regulamentação chega em um momento particularmente sensível, marcado por recentes controvérsias nos processos seletivos, com a análise curricular no centro das discussões. Nosso objetivo neste artigo é analisar o que a Portaria nº 329 significa para o ENARE, refletir sobre o futuro da seleção para a residência médica e abordar o debate gerado na comunidade.

A Nova Norma: O Que Diz a Portaria MEC nº 329/2025?

Publicada no Diário Oficial da União em 24 de abril de 2025, a Portaria MEC nº 329 estabelece o novo marco regulatório para o Exame Nacional de Residências (ENARE). A portaria define o ENARE como um exame unificado para acesso a programas de residência médica e multiprofissional, sob a responsabilidade da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH).

Esta norma oferece a base legal para as futuras edições do ENARE. Embora a portaria em si disponha sobre a estrutura do exame, é a partir dela que os próximos editais serão elaborados, detalhando os critérios específicos de avaliação que deverão ser aplicados. Paralelamente, o MEC também publicou a Portaria MEC nº 330/2025, que institui o Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (ENAMED), sinalizando um movimento mais amplo do Ministério em reavaliar a formação e o acesso na área médica. No entanto, o impacto mais imediato para os médicos que buscam a especialização está nas diretrizes futuras do ENARE sob a égide da Portaria nº 329.

O Contexto da Polêmica: A Análise Curricular Sob Questionamento

A publicação da Portaria nº 329 ocorre em um cenário onde a análise curricular, historicamente parte dos processos seletivos de residência, tem sido alvo de severos questionamentos. A experiência recente de muitos candidatos ao ENARE expôs fragilidades no processo, com relatos de inconsistências na pontuação, notas que pareciam desassociadas do histórico apresentado e a frustração com a falta de transparência na correção.

Essas situações geraram um profundo sentimento de injustiça entre aqueles que dedicaram anos de esforço em atividades acadêmicas, científicas e de extensão. A ausência de mecanismos eficazes de verificação e a falta de transparência no processo de análise curricular tornaram o ENARE suscetível a questionamentos sobre a veracidade dos documentos apresentados e a equidade da pontuação atribuída.

Aqui, é inevitável traçar um paralelo com a defesa da prerrogativa médica, como abordamos em relação ao Ato Médico (Lei nº 12.842/2013). Assim como a expertise médica é fundamental para a segurança em procedimentos complexos, um processo seletivo para a residência deve ser pautado pela justiça e transparência para garantir que os futuros especialistas sejam selecionados com base em mérito e preparo adequado. A forma como a análise curricular foi conduzida recentemente abalou a confiança nesse pilar.

O Debate na Comunidade Médica: Diferentes Perspectivas em Campo

A nova portaria e as expectativas sobre as mudanças nos critérios do ENARE desencadearam um debate intenso e com diferentes visões na comunidade médica. Observamos, nas discussões entre colegas e nas plataformas on-line, argumentos que refletem as preocupações e esperanças dos futuros residentes:

• Argumentos Favoráveis às Mudanças (Redução/Eliminação da Análise Curricular):

  • Combate à percepção de favorecimento e ineficiência na verificação curricular.
  • Busca por maior igualdade de condições para médicos com diferentes oportunidades acadêmicas ou financeiras.
  • Foco na prova teórica como um critério objetivo para nivelar o conhecimento.

• Argumentos Céticos ou Contrários às Mudanças (Valorização do Currículo):

  • Preocupação com a desvalorização do esforço de anos em atividades que enriquecem a formação (pesquisa, monitoria, publicações).
  • Argumento de que a prova teórica, isoladamente, não avalia todas as dimensões importantes de um futuro especialista (habilidades práticas, engajamento, etc.).
  • Sentimento de injustiça para quem se preparou sob as regras anteriores, investindo em atividades curriculares.

Em meio a essas perspectivas, emerge um ponto de convergência: a necessidade urgente de um sistema de seleção para a residência médica que seja inquestionavelmente justo, transparente e capaz de valorizar o mérito genuíno, buscando mecanismos que minimizem vulnerabilidades e garantam a equidade.

A Posição da Dra. Caroline Daitx: Em Defesa do Mérito e da Transparência no Acesso à Especialização

Compartilho a preocupação da comunidade médica com a lisura e a justiça no processo seletivo para a residência. É fundamental que o acesso à formação de especialistas, que moldará o futuro da medicina no país, seja pautado pela transparência e pelo mérito. A vulnerabilidade do sistema de análise curricular observada recentemente, que levantou suspeitas e gerou frustração, demanda uma resposta clara.

Acredito que a excelência na Medicina exige tanto um conhecimento teórico sólido quanto um histórico de dedicação e engajamento acadêmico e científico. Atividades como iniciação científica, monitoria, participação em projetos e publicações, quando realizadas com ética e rigor, são valiosas e demonstram o compromisso do médico com o aprimoramento contínuo.

A questão central não reside em eliminar a avaliação do histórico do médico, mas sim em como essa avaliação é conduzida. É imperativo que, se houver avaliação curricular nos futuros editais do ENARE (sob a Portaria 329) ou em outros processos, os critérios sejam transparentes, padronizados e com mecanismos de verificação robustos. Precisamos buscar um modelo que equilibre a avaliação do conhecimento com a valorização de uma trajetória acadêmica construída com dedicação, garantindo a integridade do processo.

Os próximos editais do ENARE, que serão elaborados sob a égide da nova Portaria nº 329/2025, serão cruciais para trazer a clareza que a comunidade médica tanto busca sobre como os critérios de seleção serão aplicados.

O Que Esperar e Como se Preparar

Diante do cenário da nova Portaria nº 329/2025 e do debate sobre os critérios, a tendência para o próximo ENARE pode ser um peso ainda maior na prova teórica. Para os candidatos, a orientação principal é focar em uma preparação sólida e intensiva nos conteúdos programáticos. É fundamental manter-se rigorosamente atualizado sobre a publicação dos editais, pois eles detalharão as regras definitivas de avaliação.

O conselho primordial é dedicar-se ao estudo com ética e disciplina, buscando a excelência no conhecimento.

Conclusão: Por um Acesso Justo e Transparente à Residência Médica

A Portaria MEC nº 329/2025 estabelece um novo marco para o ENARE, mas a discussão sobre o processo seletivo para a residência médica está longe de terminar. A superação das fragilidades observadas na análise curricular anterior é fundamental para restaurar a confiança no sistema.

A esperança da comunidade médica é que as futuras regulamentações e a operacionalização do ENARE sob esta nova portaria garantam um processo seletivo que seja sinônimo de transparência, justiça e valorização do mérito em todas as suas formas legítimas. Continuemos atentos e engajados na defesa de processos seletivos que honrem a seriedade e a excelência que a residência médica e a prática médica exigem.

Médica, Especialista em Medicina Legal e Perícia Médica | RQE 94.143 | CRM/SP 194.404

Leia também: Justiça Proíbe Enfermeiros de Inserir DIU no SUS: Protegendo a população e o Ato Médico -